Ética da OAB

A advocacia está elencada entre as funções essenciais à administração da justiça, conforme podemos notar no art. 133 da nossa Constituição. É, por óbvio, profissão que merece ser respeitada pela trajetória histórica na busca pela viabilização dos direitos da população. Sobre advogar na era digital, leia aqui.

Respaldado nessa premissa, cunhar a advocacia como uma profissão que concorre no mercado de consumo, como se fosse uma empresa fornecedora de serviços, é visto como mercantilização da profissão. As normas de ética da OAB são rigorosas.

De fato, não podemos negar que a missão do advogado é nobre. Por isso, posicioná-la como mais uma profissão que busca espaço nas relações de consumo, é banalizá-la.

Não é a toa que nosso Código de Ética é taxativo ao referir em seu art. 5º, que

O exercício da advocacia é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização.

Ou referir no art. 28 que

O advogado pode anunciar os seus serviços profissionais, individual ou coletivamente, com discrição e moderação, para finalidade exclusivamente informativa, vedada a divulgação em conjunto com outra atividade.

Ou seja: aos profissionais do Direito está vedado utilizar-se dos seus serviços com outra intenção que não a de informar a população, sob pena de ser entendido como uma tentativa de captação de clientes.

Dado esse cenário, passamos ao seguinte.

Os Jovens Advogados e o conflito com as normas de ética da OAB

Segundo informações extraídas da internet, o XXV Exame da OAB alcançou quase 29 mil aprovados na segunda fase. Embora o número de inscritos tenha sido muito maior, a taxa de advogados que entrou no mercado de trabalho é alarmante.

Uma parte trabalhará como associado e a outra buscará abrir seu próprio escritório.

Com relação aos advogados que atuarão como associados, não há uma preocupação constante com a necessidade de construir a sua imagem perante clientes. A primeira parcela acaba focada nos planos de carreira que os escritórios empregam e essa imagem naturalmente virá.

Por outro lado, a parcela que abre seu próprio escritório se vê obrigada a publicizar seu trabalho para que seja vista pelos futuros clientes.

Difícil para quem é lançado ao mercado sem instrução da faculdade, meramente com a matéria de deontologia jurídica.

O caminho que esses jovens profissionais tomam está repleto de incertezas, especialmente porque concorrerão com advogados com longa trajetória jurídica, cujos nomes por si só bastam para que os clientes os procurem.

Assim, os jovens advogados têm buscado maiores esclarecimentos sobre as diversas práticas de marketing jurídico. O que a maioria quer, na realidade, é a visibilidade e o reconhecimento de um mercado inflado.

Acontece que muitos desses advogados tem esbarrado nas normas de ética da OAB.

Se por um lado eles querem manter suas condutas pautadas na moral que disciplina a retidão na carreira jurídica, por outro são constantemente lembrados de que precisam fazer isso com recursos limitados.

Dessa forma, a jovem advocacia sobrevive conforme consegue ao mundo jurídico, caminhando na corda bamba imposta pelos Tribunais de Éticas.

Mas até que ponto esses Tribunais agem de boa-fé?

Existem limites quanto à atuação deles?

Será que os membros desses Tribunais são imparciais?

Da Responsabilidade Civil Subjetiva dos Tribunais de Ética da OAB

O que é a Responsabilidade Civil Subjetiva

Para responder a essas perguntas, primeiro precisamos esclarecer alguns pontos.

Dentro dos estudos de Direito Civil, a responsabilidade subjetiva é tida como a decorrente de um dano causado por meio de um ato doloso ou um ato culposo. Ela está pautada na ideia de culpa, por isso necessita de prova para que seja cabível uma indenização.

A culpa, em sentido amplo, é aquela decorrente de um dever de conduta que foi infringido. Esse dever foi criado por uma ordem jurídica, visando a paz social.

Essa culpa pode se desdobrar em duas formas: dolosa ou culposa (sentido estrito ou aquiliana). Caso a violação seja proposital, dizemos que a pessoa estará agindo com “dolo”, porém, caso não haja a intenção, mas a violação ocorreu por negligência, imprudência ou imperícia, configura-se a “culpa”.

Exposta no art. 186 do Código Civil, tal teoria prevê a responsabilização de quem viola o direito do outro, causando danos, mesmo que morais.

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Dentro dessa realidade, o que temos visto são jovens Advogados prejudicados pelas regras rigorosas dos pareceres dos Tribunais de Ética da OAB.

São carreiras que ficam expostas e que são soterradas por grandes escritórios, os quais possuem melhores condições de destaque, que não precisam investir pesado na publicidade do seu trabalho e estratégias de marketing.

Da Atuação dos Tribunais de Ética da OAB

As Turmas de Ética da OAB recebem milhares de consultas sobre a publicidade na advocacia. As respostas dessas consultas são sempre no mesmo sentido: limitar a atuação profissional dos advogados.

Pautados no conceito de “modicidade”, muitos jovens advogados se veem restringidos ao tentarem exercer a sua profissão.

Como consequência, acabam sendo prejudicados por causa da concorrência desleal gerada pelos grandes escritórios: esses possuem anuência para expor seu trabalho em grandes anúncios de advocacia, enquanto aqueles mal possuem carta branca para fazer um bom site na internet.

Explico.

É notório que grandes escritórios estão autorizados a participar de anuários da advocacia. Esse tipo de publicidade é paga e possibilita uma visibilidade mercantil da profissão. São listas que demonstram “os melhores escritórios de advocacia do ano”, mas que não passam de publicidade paga.

Até hoje a OAB autoriza esses anuários que, dependendo do tamanho a publicidade, podem chegar a R$ 30.000,00, como o do Análise 500, por exemplo (clique aqui para ver os orçamentos).

As decisões contraditórias dos Tribunais de Ética da OAB

De outra banda, a jovem advocacia vem sofrendo com as retaliações dos Tribunais de Ética e Disciplina (TED). O TED de São Paulo, por exemplo, tem pareceres quase cruéis com quem tenta o seu lugar ao sol.

1) Processo E-4.914/2017: blogs e sites

No dia 19/10/2017, tal Tribunal referiu que o advogado deve evitar frases que induzam a litigar. Para tanto, o TED deu como exemplo o convite a internautas buscarem aconselhamento do escritório, caso tenham vivido situação exposta no site, induzindo contato telefônico ou por e-mail.

Ainda, referiu que os blogs e sites não devem trazer supostos litígios e questões deles decorrentes com o objetivo de ofertar os serviços do escritório para resolvê-los.

A postura adotada pelo Tribunal é um freio. Primeiro porque quando o site é do próprio advogado, presume-se que falará dele mesmo. Não cabe a ele fazer indicações, mas também é preciso deixar claro a importância da consulta jurídica. Caso contrário, corre-se o risco de o leitor deixar passar seu direito de ação.

Segundo porque não há indução ao litígio em simplesmente deixar o contato. Indução ao litígio seria expor frases mercantis que garantissem o ganho de causa.

2) Processo E-4.956/2017: dúvidas em grupos do Facebook

Em outra sessão, a 611ª de 22/02/2018, o Tribunal de Ética da OAB decidiu como sendo conduta inapropriada a de advogados que participam de grupos do Facebook e ali respondem as dúvidas dos participantes.

Segundo o parecer, as dúvidas só podem ser ocasionais, sem habitualidade.

Outra postura que impede a atuação da jovem advocacia. Responder a dúvidas nada mais é do que prestar um serviço público de acesso à informação. A pessoa que está no Facebook só entrará em contato com o advogado se quiser. Ela não é obrigada a nada.

3) Processo E-4.637/2016: assessoria online

Outro exemplo foi o parecer dado na sessão 594ª de 16/05/2016. Segundo o TED de SP, a assessoria online seria incompatível com os preceitos éticos. O tribunal de ética acredita que ela exacerbaria a impessoalidade requerida entre cliente e advogado.

O atendimento online não impede a pessoalidade. Vários escritórios utilizam-se de e-mails, por exemplo, para selar grandes contratos. O atendimento online, quando feito por profissional capacitado, pode ser muito mais produtivo do que um atendimento apressado, mas em um escritório físico, por exemplo.

Segundo o mesmo parecer, a assessoria online comprometeria a confiança na relação com o cliente. Não bastasse, ainda julgou que o sigilo das informações seria inseguro, dado o ambiente de impossível controle.

Mas como poderia ser inseguro, se o próprio Poder Judiciário adota o processo eletrônico?

Essas são só algumas das atitudes que afetam os advogados que estão iniciando. A única intenção é a de evitar que o Marketing Jurídico seja usado para o bem desses profissionais.

4) Processo E-3.948/2010: a possibilidade dos anuários

Por sua vez, o mesmo Tribunal concedeu parecer favorável aos anuários de advocacia. Acontece que tais anuários evidenciam a intenção de destacar escritórios de advocacia como modelos de mercado. Cada lista refere quem são os sócios, história e estrutura do escritório.

A princípio, seria uma publicidade totalmente compatível com as regras de ética da OAB. Porém, servem apenas para engrandecer os sócios e demonstrar a estrutura física das sedes e filiais. O que desrespeita totalmente o que preceitua o provimento 94/2000, em seu artigo 4º, alínea G:

Art. 4º Não são permitidos ao advogado em qualquer publicidade relativa à advocacia:

g) informações sobre as dimensões, qualidades ou estrutura do escritório;

Esses anuários são elaborados todos os anos. Referem que possuem metodologia de pesquisa, quando, na verdade, não passam de publicidade paga.

O que é mais mercantil?

A) Responder às dúvidas das pessoas comuns que estão na internet querendo saber sobre os seus direitos?

Ou

B) Pagar um anúncio que circulará entre grandes empresas e será visto como uma lista de melhores escritórios?

A Responsabilidade Civil Subjetiva ao tentar evitar ações de marketing jurídico

A postura adotada pelo TED de SP espalha-se pelo país e reflete a responsabilidade civil a que devem ser submetidos.

A atuação dos advogados não pode ser indiscriminada, inobservando o que as regras de ética expõem. Entretanto, as normas de ética da OAB deveriam dar um pouco mais de liberdade aos profissionais.

O Marketing ideal

Não estou me referindo ao marketing baseado em concorrência de mercado. Também não concordo que a advocacia deva captar clientes, pois comprometeríamos o papel desempenhado na busca pela Justiça.

Estou me referindo a um marketing com conteúdo, que vise trazer ao público informações e que, ao mesmo tempo, evidencie a qualidade dos jovens profissionais.

Todavia, percebemos que a postura dos TEDs está cada vez mais fechada para a jovem advocacia, enquanto que para os grandes escritórios, permanece com vendas nos olhos.

O dano

Essa postura configura um dano irreversível aos profissionais do Direito, pois a cada dia que passa, o número de advogados que são sugados pela imensidão das grandes bancas só aumenta.

Resta claro, portanto, que há culpa na postura desses Tribunais, seja porque os pareceres são limitadores, seja porque suas posturas são parciais quando tratam com grandes bancas.

As decisões configuram dano às carreiras jurídicas, uma vez que impedem o crescimento dos profissionais que buscam no marketing jurídico ético uma forma de sobrevivência.

Além disso, demonstram a intenção em privilegiar escritórios que, na maioria das vezes, tratam advogados como personagens do filme “Tempos Modernos”. Invariavelmente, esses Tribunais acabam aprovando a postura de escritórios que contratam advogados como associados, com condições de trabalho quase escravo:

  • trabalho mecânico;
  • cobranças incessantes;
  • salário escasso.

A OAB deveria priorizar a valorização da jovem advocacia, admitindo novas posturas e atualizando-se quanto as mudanças na área do marketing. São inovações que só melhoram o meio jurídico e tornam justo o mercado para quem não tem as mesmas condições.

Contudo, através da postura conservadora dos TEDS, opta por deixar essa parcela de lado, em evidente ato ilícito dado o dano que causa.

CONCLUSÃO

Embora não existam normas claras quanto ao uso do Marketing pela advocacia, as regras utilizadas para fiscalizar a publicidade  são muito restritas. Por sua vez, as atitudes dos TEDs devem ser analisadas pela ótica da responsabilidade civil subjetiva, uma vez que tais tribunais emitem pareceres prejudiciais aos jovens advogados com muita frequência.

O que acontece é que os Tribunais de Ética da OAB ainda não se adequaram ao mercado, em grande parte porque não possuem o interesse em ajudar os novos advogados.

Por outro lado, os grandes escritórios passam despercebidos, atuando dentro dos limites maleáveis das normas da OAB.

Essas atitudes deixam muitos advogados desacreditados da profissão, fazendo com que abandonem a carreira jurídica. São danos irreversíveis, com consequências morais e materiais incontáveis.

É uma pena, pois uma profissão que foi feita para buscar a Justiça, sofre sozinha e desamparada.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *